José Luis Díez-Garde: "Conheci jovens que pensavam que Balenciaga era tênis"

Jornalista de moda, curador de diversas exposições e autor de projetos de investigação no Museu do Traje, chegou a vez de José Luis-Garde lançar o seu primeiro romance que gira (como não poderia deixar de ser) em torno de uma oficina de costura. O mestre Balenciaga e uma trama para roubo de esqueteseles fazem você viajar para Paris nos anos 40.

Como era a vida numa oficina de costura nos anos 40? O que realmente sabemos sobre um dos maiores criadores de moda de todos os tempos como ele é? Balenciaga? Como foi vivenciar um desfile em Paris? Responda essa e muitas outras perguntas Jose Luis Díez-Garde com “Aquele verão em Paris”, um romance que fala sobre moda mas também sobre espionagem, vestidos e alta sociedade, formando uma história que cativa desde a primeira página.

Uma das teorias do seu romance é que os vestidos Balenciaga feitos na Espanha tinham a mesma qualidade dos feitos em Paris….
Sim, durante muito tempo considerou-se que o que se fazia em Espanha, por ser mais barato, tinha pior qualidade e não. O que aconteceu é que em Espanha o salário médio era mais baixo, a mão-de-obra em Paris era muito mais cara. Também é verdade que os designs eram mais clássicos porque a sociedade espanhola dos anos 40 era mais clássica do que a sociedade parisiense.
Então, é verdade que algumas costureiras que trabalhavam nas oficinas de Madrid viajaram para Paris para trabalhar lá?
Sim, no verão em Madrid o ritmo abrandou bastante e muitas costureiras foram levadas a Paris para ajudar a finalizar as coleções. Claro, isso significa que o nível espanhol era igual ao nível parisiense. Sabemos também que a Balenciaga não permitiu que a qualidade fosse inferior em nenhuma das suas oficinas do que em outras.
Por que ambientar o romance no final dos anos 40?
Há um momento no final dos anos 40 em que parece que a casa Balenciaga está prestes a fechar. O professor pensa se deve ir embora e existe a teoria de que Ramón Esparza, seu outro companheiro de vida, apareça em sua vida. Pode ser que estrategicamente alguém tenha pensado em colocá-lo ali para dar ao professor uma nova ilusão. Queria também reivindicar um pouco a figura de Esparza, o único espanhol que dirigiu Chanel e que pouca gente conhece.
Você se apaixonou pelos anos 40?
Se eu escolhesse uma década na história da moda escolheria a década de 30. Na década de 40, todos pensávamos no “New Look” que era maravilhoso mas devemos ter consciência que estamos a falar da Guerra Mundial que acabava de terminar. Copa e Paris não vive o seu melhor momento, era uma cidade em reconstrução. Quando o meu protagonista chega a Paris percebe imediatamente que se trata de uma cidade que ainda está ferida.
Você acha que nós, espanhóis, damos a importância que uma figura nossa como Balenciaga merece?
Eu não acho. Balenciaga é o Picasso da moda e ainda assim não é reconhecido. Conheci jovens que pensavam que Balenciaga era tênis. A personagem Júlia, por exemplo, deixa claro que quer encomendar o vestido da filha da Balenciaga por tudo que a estilista representava na época. Aquela ideia de que era único e que era o máximo que você poderia aspirar.
Capa da novela "Aquele Verão em Paris".
Capa da novela “Aquele Verão em Paris”.

“Aquele verão em Paris”

20,80 euros.

Um romance de espiões, amor e alta costura na casa Balenciaga.

Comprar produto

Como foi Balenciaga no negócio?
Ele deve ter tido um caráter complicado. Estamos falando de um homem muito culto, com os melhores clientes do mundo e com um conhecimento de costura que ninguém mais tinha naquela época. Mas por outro lado, tinha detalhes maravilhosos. Por exemplo, ele sempre quis fazer o vestido de noiva para seus funcionários. Ele se importava com eles. Acho engraçadas várias anedotas contadas sobre ele. Por exemplo, assistir aos desfiles através de um pequeno buraco para verificar se tudo estava indo perfeitamente. Também circula uma espécie de lenda sobre o fato de que a tarefa mais difícil para suas costureiras era fazer ele mesmo uma camisa para Balenciaga porque tudo tinha que caber ao milímetro, inclusive os desenhos das camisas, e isso se tornou um pesadelo. Quando Galliano quer dizer, hoje, que algo é perfeito ele diz que é Balenciaga. E suas costureiras já sabem que ela está impecável, que não há mais o que fazer.
A inspiração de Balenciaga o pegou trabalhando, como disse Picasso?
Sim, desde muito jovem treinou costura com a mãe. Dizem que em cada coleção sempre havia um desenho que ele mesmo fazia para não perder o controle. Imaginar. Uma pessoa no topo da moda e preocupada em continuar costurando, em continuar aprendendo.
Existem hoje figuras no mundo da moda ao nível de Balenciaga?
Galliano ficaria feliz trabalhando na Balenciaga, por exemplo. Também tenho defendido fortemente a figura de Demna Gvasalia ao nível da “actualização” dos arquivos da casa. As coleções podem não agradar, mas os padrões são impecáveis. Pierpaolo Piccioli também me parece um excelente criador mas não sei se nesse nível. O que estamos esquecendo aqui é que Balenciaga foi tão revolucionária que destruiu dois mil anos de roupas ocidentais ao eliminar a cintura feminina.
O que você acha que Balenciaga pensaria da indústria da moda atual?
Por um lado, poderíamos pensar que isso o aterrorizaria, segundo seu próprio conceito. Sabemos que ele, o pret-a-porter, também não entendia muito. Mas por outro lado, costuma-se dizer que os designers têm um período de carência que dura cerca de 10 anos e que coincide com o momento em que se sentem mais livres porque já têm sucesso. Mas há uma série de criadores que vivem um eterno período de graça e Balenciaga é um deles. Da década de 1930 aos designs mais recentes que ele cria, que são loucos e absolutamente revolucionários. Como o vestido de quatro pontas, por exemplo, que é uma loucura e é mais moderno do que tudo que os jovens estilistas estão fazendo na época. Este caráter revolucionário também me leva a pensar que talvez ele nos surpreendesse e fosse mais defensor de certas coisas do que poderíamos imaginar. Sempre se disse que Balenciaga estava dois anos à frente dos demais.
Balenciaga gostava de vestir a realeza? Você teria vestido a Rainha Letizia hoje?
Muitas vezes se questionou se ele era ou não franquista. Sabe-se que ele era amigo de Carmen Polo, por exemplo. Mas a verdade é que toda mulher importante usava Balenciaga. Ele vestiu muito a rainha Victoria Eugenie, por exemplo. Aliás, no casamento de Juan Carlos e Sofia ela está vestida de Balenciaga. Acho que ele considerou uma honra vestir a atriz, então imagino que, se ele estivesse vivo hoje, ficaria feliz em vestir a Letizia.
O que você gostaria de alcançar com “That Summer in Paris”?
Gostaria que as pessoas que lessem soubessem alguma coisa, que tivessem algumas ideias de como funcionava o mundo da moda naquela época, como era a vida nas oficinas, quais designers dominavam a costura… . Se o fizeram e, além disso, se divertiram, já estou satisfeito.
Jéssica Andrade

Jéssica Andrade

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *